Estudo publicado na Parasite & Vectors aponta que bueiros são focos de mosquito transmissor de arboviroses

Parasitc and VectorEstudo liderado pelo pesquisador da Fiocruz Bahia, Guilherme Ribeiro, indicando que a água acumulada no interior dos bueiros é foco de mosquito transmissor de enfermidades como dengue, zika e chikungunya, foi publicado na mais conceituada revista científica internacional especializada no tema, a Parasites & Vectors. O artigo intitulado Storm drains as larval development and adult resting sites for Aedes aegypti and Aedes albopictus in Salvador, Brazil, publicado no dia 27 de julho, pode ser lido na íntegra no site da revista.

No trabalho descrito, pesquisadores e estudantes de Pós-Graduação da Fiocruz Bahia, da Universidade Federal da Bahia e da Universidade de Emory (EUA) observaram no total de 122 bueiros, também conhecidos como bocas de lobo, dos bairros de Brotas, Cabula, Piatã e Pituba, no período de março a julho de 2015, com o intuito de verificar com que frequência a água fica acumulada servindo como criadouro de mosquitos.

Foram identificados pelos pesquisadores, espécimes de Aedes aegypti, tanto adultos quanto em suas fases larvais, em bueiros de dois dos quatro bairros, sendo mais comum nos bueiros que também continham larvas de outras espécies de mosquitos, como a muriçoca (pernilongo comum). A presença do Aedes aegypti também foi mais frequente nas inspeções precedidas por período de pouca chuva. O Aedes albopictus, outro mosquito que também pode transmitir arbovírus, foi encontrado em bueiros de um dos bairros pesquisados.

De acordo com os especialistas, os achados são de grande relevância por chamar atenção para a necessidade de reorientação nos programas de prevenção e controle de arboviroses, já que as principais ações assumem que os focos de reprodução dos mosquitos transmissores de dengue, zika e chikungunya encontram-se nas residências e não nos ambientes públicos.

A fim de ampliar o estudo para saber a extensão do problema em outras áreas da cidade, a equipe de pesquisadores está trabalhando em parceria com o Centro de Controle de Zoonoses do município de Salvador. Os resultados também ensejaram discussões intersetoriais no município, com o intuito de planejar ações de combate à proliferação do Aedes nos bueiros.

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Combinação de medicamentos é aposta contra leishmanioses

Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)

Na busca por um tratamento para as leishmanioses que dispense o uso de injeções e tenha menos efeitos colaterais, pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) estudam o uso combinado de dois medicamentos que já estão disponíveis no mercado. Apesar de terem sido desenvolvidos para outros fins, o antidepressivo imipramina e o antifúngico miconazol têm potencial para agir contra os protozoários do gênero Leishmania, que causam a doença. Em um artigo publicado na revista Parasites & Vectors, os cientistas do Laboratório de Bioquímica de Tripanosomatídeos do IOC/Fiocruz apontam que esses fármacos de uso oral parecem agir através de mecanismos complementares. Os testes realizados em culturas de células – primeira etapa nas pesquisas de novos remédios – indicam que a combinação dos compostos permitiria utilizar doses reduzidas para combater os micro-organismos.

“Os produtos que já são licenciados passaram por testes de segurança que estão entre as etapas mais difíceis e caras do desenvolvimento de fármacos. Por isso, o reposicionamento de medicamentos é uma estratégia importante na busca por novas terapias, principalmente contra doenças negligenciadas como as leishmanioses”, explica Eduardo Caio Torres Santos, pesquisador do Laboratório de Bioquímica de Tripanosomatídeos do IOC/Fiocruz e coordenador do trabalho. “A imipramina e o miconazol são conhecidamente seguros. Ao associar as duas substâncias e reduzir as doses, podemos diminuir também os riscos de efeitos colaterais do tratamento”, acrescenta Valter Andrade Neto, pós-doutorando do mesmo Laboratório e primeiro autor do artigo.

Arte: Jefferson Mendes

Causadas por diferentes espécies de parasitos do gênero Leishmania, as leishmanioses podem se apresentar na forma cutânea, com feridas na pele; mucosa, com lesões na boca e no nariz; ou visceral, com danos em órgãos como fígado e baço. Em todos os casos, o tratamento da infecção costuma ser baseado nos antimoniais pentavalentes, uma classe de remédios utilizada desde a década de 1940, que pode causar diversos efeitos colaterais, incluindo danos ao coração, fígado, pâncreas e rins. Os remédios estão disponíveis apenas em formulações intravenosas e intramusculares, o que demanda a administração por um profissional de saúde. Além disso, nos casos em que os parasitos apresentam resistência aos medicamentos antimoniais, é necessário recorrer a fármacos ainda mais tóxicos, como a anfotericina B e a pentamidina.

Mecanismo de ação: achado inédito

Embora o potencial leishmanicida da imipramina tenha sido observado na década de 1980, seu mecanismo de ação contra os parasitos ainda não tinha sido descrito e a combinação com outras substâncias também nunca havia sido testada. Os experimentos feitos com a espécie Leishmania amazonensis – uma das causadoras da forma cutânea da infecção – apontam que o fármaco impede a síntese de uma molécula fundamental para a sobrevivência dos parasitos: o ergosterol, tipo de lipídeo que compõe a membrana dos micro-organismos, além de participar de vias de sinalização intracelular. De forma inédita, a pesquisa indica que a imipramina tem a capacidade de inibir uma enzima da L. amazonensischamada de C24-metiltransferase, que atua na fase final da síntese do ergosterol. “Este é um alvo interessante porque o ergosterol não é produzido em células de mamíferos. Logo, um fármaco que afeta a síntese dessa molécula não deve prejudicar o organismo dos pacientes”, comenta Eduardo Caio.

Utilizado para combater infecções causadas por fungos, o miconazol também bloqueia a síntese do ergosterol nos parasitos, porém usando um mecanismo de ação diferente: ele age sobre a enzima conhecida como C14-desmetilase. De acordo com Valter, o fato de os dois fármacos atuarem em pontos distintos da mesma via bioquímica é positivo para o efeito antiparasitário. Nos testes, a combinação dos fármacos apresentou efeito aditivo, ou seja, a ação de um somou-se à do outro. “Verificamos que não existe antagonismo entre imipramina e miconazol. Com o efeito aditivo, existe o potencial de usar quantidades menores de cada um dos fármacos e obter um resultado melhor”, destaca o pós-doutorando.

Realizados com a forma amastigota do parasito L. amazonensis – a mesma etapa do desenvolvimento do parasito que é encontrada nos pacientes –, os experimentos mostraram que as doses isoladas de imipramina e miconazol necessárias para matar cerca de 50% dos parasitos têm a eficácia muito aumentada quando usadas em conjunto, chegando a eliminar 90% dos micro-organismos. Em comparação, para alcançar o mesmo resultado utilizando somente miconazol, seria necessário dobrar a dose. Os testes confirmaram ainda que as duas substâncias – tanto separadas, como combinadas – não apresentam efeitos tóxicos para os macrófagos, células de defesa dos mamíferos que são infectadas pelos parasitos.

Próximas etapas

Ressaltando que o estudo ainda está na fase inicial, os pesquisadores consideram que os resultados indicam que a imipramina pode ser útil para o tratamento das leishmanioses, principalmente através da combinação com outros medicamentos. Segundo eles, além de agir diretamente sobre as leishmânias, o fármaco possui a capacidade de inibir a chegada de colesterol até esses micro-organismos, o que pode contribuir para a eficácia da terapia – um aspecto que pretendem investigar nas próximas etapas do trabalho. “Assim como o ergosterol produzido pelos parasitos, o colesterol produzido pelas células dos mamíferos é uma molécula de lipídeo da classe dos esteróis. Em pesquisas anteriores, observamos que as leishmânias passam a captar mais colesterol quando a síntese do ergosterol é bloqueada por fármacos. Imaginando que esse pode ser um mecanismo de escape desenvolvido pelos parasitos, consideramos que a imipramina pode assumir um efeito ainda mais importante”, explica Valter.

Para Eduardo Caio, é possível que o antidepressivo se torne um coadjuvante na terapia das leishmanioses, potencializando o efeito de fármacos do grupo químico do miconazol – conhecidos como azóis. Segundo o pesquisador, as substâncias desse grupo são muito potentes contra os parasitos do gênero Leishmania nos testes em laboratório, mas alguns ensaios clínicos mostraram eficácia reduzida nos pacientes. “Os azóis são utilizados há muitos anos para o tratamento de infecções causadas por fungos. Se a associação com a imipramina conseguir resgatar esses medicamentos como opções terapêuticas para as leishmanioses, teremos um grande benefício”, afirma.

Leia mais na Agência Fiocruz de Notícias sobre as formas de transmissão, prevenção e tratamento das leishmanioses.

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