Somente cobertura vacinal pode garantir imunidade de rebanho contra a Covid-19, afirma pesquisadora

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O Plano Nacional de Imunizações (PNI) do Brasil, capaz de controlar diversas doenças no país, como a poliomielite, o sarampo e o tétano, é reconhecido mundialmente como um dos maiores programas de distribuição de imunizantes e de vacinação em massa. A vacina da Covid-19, também administrada pelo PNI, está sendo fundamental no enfrentamento da pandemia. No Dia da Imunização, celebrado em 09 de junho, a Fiocruz Bahia conversou com a pesquisadora Claudia Brodskyn, que explicou como funcionam as vacinas, como é possível alcançarmos imunidade de rebanho, quais as diferenças entre as vacinas disponíveis atualmente no Brasil contra a Covid-19, o cenário da pandemia em 2022, dentre outras abordagens.

Claudia Ida Brodskyn possui graduação em Biomedicina pela Universidade Federal de São Paulo (USP), é mestre e doutora em Imunologia pela mesma universidade. Atualmente, é pesquisadora titular da Fiocruz Bahia. A cientista é professora aposentada da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e foi presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), no biênio 2018-2019.

O que são vacinas e como elas atuam no nosso organismo?

No caso das vacinas voltadas para doenças infecciosas, normalmente se utilizam patógenos inativados, como vírus e bactérias, ou partes deles, que uma vez inoculados em nosso organismo induzem a resposta imune. A resposta imune é caracterizada pela produção de anticorpos a partir de um tipo de célula chamada de plasmócito, derivada dos linfócitos B. Para que ocorra a produção de anticorpos, também é importante a indução de uma resposta imune celular, que nesse caso seria mediada pelas células ou linfócitos T.

A grande vantagem das vacinas é que elas têm a capacidade de desenvolver o que chamamos de memória imunológica. Isso quer dizer que, com o passar do tempo, no caso de termos contato com este patógeno do qual a vacina se derivou, ele vai encontrar, por exemplo, uma quantidade de linfócios B e T, que levam à produção de anticorpos e outras respostas imunes importantes, que é capaz de combatê-lo.

O que são eventos adversos e por que são causados?

A Organização Mundial de Saúde classifica os eventos adversos como incidentes que resultam em danos não intencionais decorrentes de assistência e não relacionados à evolução natural da doença no paciente, então é um dano desnecessário causado durante esse processo assistencial. Os eventos podem ocorrer, por exemplo, após uma imunização. Nas vacinas desenvolvidas contra o SARS-CoV-2, para a proteção da Covid-19, observamos que houve, entre os vários testes realizados de segurança, a formação de coágulos, por exemplo em vacinas como da Astrazeneca, mas são 2 casos para cada 1 milhão de pessoas, então é uma percentagem realmente muito baixa e que não contrapõe o uso da vacina. Para termos ideia, podemos comparar com o risco de mulheres que usam anticoncepcional terem esse tipo de coagulopatia e de trombose, que é de 1 caso para 50.000 pessoas.

Qual a importância da imunização em um país como o Brasil?

A imunização é importante em todas as partes do mundo. No Brasil, especificamente, que é um país de grandes dimensões, temos vários tipos de patógenos, vários tipos de infecções virais. Antes da pandemia de Covid-19, tivemos, por exemplo, os surtos de zika, que levou ao aumento de microcefalia em crianças, a chikungunya, dengue, hepatites, uma série de diferentes doenças, então a vacinação é importante em termos de garantir saúde à população. Nós necessitamos de vacinas que protejam a população contra esses patógenos e elas são extremamente importantes. A vacina contra febre amarela, por exemplo, foi fundamental quando tivemos um surto há poucos anos, então nós sabemos o quão importante são as vacinas já existentes, incluindo a vacina contra a infecção pelo SARS-CoV-2.

A vacinação é pensada como medida de proteção coletiva e não individual. Por quê?

Além de proteger o indivíduo, a vacina apresenta uma importância do ponto de vista populacional, porque quando muita gente é vacinada o vírus diminui de circulação e acaba protegendo também quem não está vacinado. Por isso que a gente diz que não pode ser ‘toma a vacina quem quer’, temos que realmente conscientizar toda a população para se vacinar. Quando a cobertura vacinal atingir um determinado índice, começando a frear a transmissão para quem não foi imunizado, que é uma das consequências da vacinação em massa, estaremos protegendo a população brasileira.

As vacinas contra Covid-19 estão sendo desenvolvidas em tempo recorde. Como isso foi possível, levando em conta que uma vacina demora anos para ser disponibilizada?

Nós temos atualmente uma tecnologia que se desenvolveu muito, o que possibilitou essa rápida formulação das diferentes vacinas. Elas se desenvolveram em diferentes tipos de plataformas que já estavam sendo investigadas, como plataformas para produção de vacinas de RNA, ou vacinas de polipeptídeos, ou mesmo vacinas utilizando adenovírus, em que podem ser colocados genes que codificam diferentes substâncias dos vírus (por exemplo, o que chamamos de proteina spike) dentro de sua estrutura, gerando uma resposta imune contra essa proteína específica do vírus. Todas essas plataformas já existiam, assim como a do vírus inativado. Também houve um investimento muito grande para possibilitar essa rapidez no desenvolvimento dessas vacinas que têm sido testadas e se apresentam com uma boa eficácia, protegendo os indivíduos e as populações pelo menos das formas graves da doença, o que é extremamente importante.

Algum aspecto deixou de ser avaliado nesses estudos?

Os estudos foram feitos em populações de 3 mil, 4 mil, 5 mil pessoas, e foram multicêntricos, então abarcaram um maior número de pessoas com diversidade genética. Se o estudo é feito no Brasil, Europa, África, Estados Unidos, você também acaba testando em diferentes grupos. Acredito que a maioria dos aspectos foram bem avaliados. Só que, como essas vacinas são novas, as pesquisas continuam e ainda precisamos saber a duração da imunidade dessas vacinas, se teremos que tomar uma nova vacina, por exemplo no ano que vem como é o caso da vacina contra a influenza, se com essas novas variantes teremos que tomar diferentes tipos de vacinas para uma melhor proteção. Temos ainda várias questões a serem respondidas e vários parâmetros ainda devem ser avaliados, conforme a gente vai aprendendo mais sobre a doença e sobre esses novos tipos de vírus conhecidos como variantes de preocupação que têm surgido.

Quais as vacinas disponíveis hoje no Brasil para Covid-19 e quais as principais diferenças entre elas?

Atualmente, nós temos três tipos de vacinas. A Coronavac, do Butantã, que se baseia em vírus inativado, é o vírus completo mas que não se prolifera. Temos a da Astrazeneca/Oxford, que tem o adenovírus com o gene que vai conter a proteína spike e RBD. No caso da Astrazeneca, é utilizado o adenovírus de chimpanzé, que parece ter um resultado melhor do que os outros adenovírus. E temos também a vacina da Pfizer, que é mais moderna, baseada nas plataformas de RNA encapsulado em nanopartículas lipídicas. Cada uma dessas vacinas apresenta diferentes eficácias, mas todas elas são importantes, porque protegem contra as formas graves da Covid-19. Recentemente, observamos o estudo da cidade de Serrana, em São Paulo, mostrando que a vacinação em massa possibilita uma redução de até 95% de casos graves.

Por que não é possível alcançarmos a imunidade de grupo sem a vacina?

Não conseguimos porque, no caso da Covid-19, nós vamos ter um grande número de pessoas que vão morrer se infectados, mesmo a letalidade sendo em torno de 2% a 5%, a depender de que local do mundo estamos estudando. Sem contar que existem vários estudos que mostram que a infecção natural não garante uma resposta imune longeva, então a vacina teria essa garantia de uma resposta imune mais prolongada, com a possibilidade de imunizar as pessoas várias vezes, quando ocorre a diminuição da resposta imune. O que garante a imunidade de rebanho é quando a cobertura vacinal atinge um índice que começa a frear a transmissão, que se reflete na redução de infectados e casos graves.

Quanto da população seria necessário ser vacinada para que essa imunidade de grupo começasse a funcionar?

Difícil saber quanto que temos que vacinar da população para termos essa imunidade. Segundo os cientistas e os cálculos realizados pelos epidemiologistas, estima-se que seria entre 60% e 80% da população. A gente viu, nesse experimento na cidade de Serrana, que quando 75% da população adulta foi vacinada houve uma queda significante de cerca de 95% de casos graves e também de mortes, então acredita-se que vacinando a população em torno de 70% a 75% seja possível atingir a imunidade de grupo.

O ritmo da vacinação no Brasil está bem distante do ideal preconizado pelos especialistas. Nesse sentido, qual cenário teremos em 2022 na sua opinião?

Apesar da vacinação no Brasil estar muito mais lenta do que o necessário, observamos que agora parece existir uma aceleração em termos de formulação dessas vacinas. A Fiocruz já vai produzir IFA no Brasil e isso vai garantir um maior número de doses. A Coronavac vai ser aplicada, por exemplo, no estado de São Paulo, e parece que mais doses da Pfizer estão chegando nos próximos meses. Isso é extremamente interessante, porque os cálculos são de que até outubro ou novembro toda a população já tenha recebido pelo menos a primeira dose da vacina. Acredito que em 2022, se não existirem surpresas em termos de aparecimento de novas variantes, vamos ter uma situação mais tranquila. O aparecimento de novas variantes está diretamente relacionado à alta transmissão, então as vacinas de alguma forma já estariam contribuindo muito também para a diminuição do surgimento de novas variantes.

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