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A análise de uma série histórica de 16 anos (2004 a 2019) da incidência da dengue em 20 paÃses das Américas do Sul e Central concluiu que a dinâmica de ocorrência da dengue, na região, foi alterada após as epidemias do vÃrus Zika, possivelmente em função de uma imunidade cruzada entre os dois vÃrus que são da mesma famÃlia.
No estudo, os pesquisadores analisaram dados das notificações de casos suspeitos de dengue realizadas à Organização Pan Americana de Saúde (OPAS/OMS) pelos seguintes paÃses: BolÃvia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guiana, Guiana Francesa, Guadalupe, Guatemala, Honduras, Martinica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico e Venezuela. O trabalho liderado pelo pesquisador da Fiocruz Bahia, Guilherme Ribeiro, foi publicado no periódico Tropical Medicine & International Health.
Os paÃses selecionados para inclusão no estudo foram aqueles em que a dengue constitui um problema de saúde pública e que apresentavam uma incidência mÃnima de 10 casos por 100.000 habitantes/ano. A partir da observação que a maior transmissão do vÃrus Zika na região ocorreu no ano de 2016, os pesquisadores dividiram a série histórica da incidência de dengue em cada paÃs em três perÃodos: o perÃodo pré-epidemia de Zika, de 2004 a 2015; o perÃodo do efeito da epidemia do Zika sobre a transmissão de dengue, de 2016 a 2018; e o perÃodo após o efeito da epidemia do Zika, em 2019.
Os resultados apontaram que, embora houvesse uma oscilação na incidência de dengue ano a ano, havia uma tendência de aumento na maioria dos paÃses durante o perÃodo pré-epidemia da Zika. Entretanto, após o pico da epidemia de Zika em 2016, a incidência anual de dengue reduziu abruptamente em 2017 e 2018 para o conjunto de paÃses, sendo o mais baixo relatado desde 2005.
Individualmente, 13 dos 20 paÃses apresentaram uma queda estatisticamente significante na incidência de dengue, iniciando a partir de 2016. Mas após 2 a 3 anos de baixa incidência, observou-se que, em 2019, as notificações de casos suspeitos de dengue aumentaram de forma geral nas Américas, sugerindo que, se as infecções pelo vÃrus Zika levarem à proteção da população contra o vÃrus da dengue, esta imunidade cruzada deve ter uma duração de 2 a 3 anos, semelhante ao tempo de proteção conferido por uma infecção por um dos sorotipos do vÃrus da dengue contra os demais sorotipos.
Dando suporte à s observações realizadas, os pesquisadores citam estudos realizados em laboratório que apontam para a existência de uma resposta imune cruzada entre estas infecções e discutem os resultados de estudos epidemiológicos prévios que também sugerem a existência de imunidade cruzada. Entre estes trabalhos prévios, destacam-se produções realizadas pelo grupo de autores em revistas cientÃficas de alto impacto.
Em 2018, os pesquisadores publicaram na The Lancet Global Health o primeiro trabalho cientÃfico a sugerir esta hipótese, no qual apresentaram evidências estatÃsticas de uma redução na frequência de dengue, em Salvador, após a epidemia de Zika, que ocorreu em 2015. Posteriormente, em 2019, outra análise publicada pelo grupo, na revista Science, demonstrou a existência de imunidade cruzada na outra direção, concluindo que a imunidade existente contra o vÃrus da dengue protegeu indivÃduos contra a Zika, durante o surto na capital baiana.
Entretanto, de acordo com os cientistas, não é possÃvel afirmar se a possÃvel imunidade populacional contra a dengue conferida pela Zika decorre de uma proteção direta contra infecções, de uma proteção para o desenvolvimento de sintomas clÃnicos após a infecção, de uma limitação na propagação do vÃrus por uma redução na sua capacidade de transmissão do homem para o vetor, ou mesmo da combinação destes possÃveis efeitos. Independente do mecanismo, estes achados que, segundo os autores, devem ser confirmados em estudos futuros, com seguimento por longo prazo de pessoas expostas e não expostas a estes vÃrus, podem ter impactos significativos na saúde pública, em especial no que concerne o desenvolvimento e aplicação de vacinas contra os da vÃrus da dengue e da Zika.

