Impacto de uma década de transmissão da chikungunya nas Américas é destaque na The Lancet Regional Health – Americas 

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Após a detecção dos primeiros casos de chikungunya nas Américas, em dezembro de 2013, na ilha de Saint Martin, o vírus da Chikungunya se espalhou rapidamente, causando epidemias em toda a região. Até os dias atuais, cerca de 3,7 milhões de casos suspeitos e confirmados em laboratório foram registrados em 50 países das Américas. Passada a primeira década desde a emergência da Chikungunya no continente, um balanço da situação epidemiológica e análise de perspectivas futuras para prevenção e controle do vírus foi tema do artigo publicado na The Lancet Regional Health Americas, que contou com a participação do pesquisador Guilherme Ribeiro, da Fiocruz Bahia, no grupo composto por instituições do Brasil, Estados Unidos e Reino Unido.

Em 2014, as maiores epidemias de chikungunya nas Américas foram observadas predominantemente no Caribe. No ano seguinte, as regiões da América Central e Andinas foram as mais afetadas. Entre 2014 e 2015, a maioria dos territórios ou países com surtos de chikungunya na América Latina Caribe relatou uma ou duas ondas epidêmicas anuais, seguido por um período com menor incidência ou nenhum caso.

O vírus chegou ao Brasil em 2014, mas foi a partir de 2016 que o país se tornou o maior epicentro da chikungunya nas Américas, tendo ao final de 2023 ultrapassando a marca de 1,6 milhões de casos reportados, o maior da região. Diferente dos outros países, o Brasil se destaca por registrar epidemias anuais da doença, que ocorrem de forma heterogênea no espaço, possivelmente devido ao cenário irregular da imunidade ao vírus; climas específicos do local; diferenças nos mosquitos vetores e exposição de pessoas em diferentes condições sociodemográficas. O clima propício e uma população expressiva de Aedes aegypti também são fatores que facilitam a transmissão do vírus no país.

Embora inquéritos sorológicos para conhecer a frequência de exposição ao vírus chikungunya na população brasileira continuem escassos, é importante notar que 40,5% dos municípios ainda não registraram casos de chikungunya, sugerindo que uma proporção significativa da população do país permanece suscetível ao vírus ou foi infectado, mas não detectada pelo sistema de vigilância nacional. Ao sustentar uma contínua circulação do vírus, o Brasil pode se tornar a principal fonte de disseminação para novas regiões geográficas, onde há grandes populações suscetíveis.

Apesar de a maioria dos casos de chikungunya se concentrarem na América do Sul e Central, já há registro da presença dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus na América do Norte, em especial nos estados do sul dos Estados Unidos, com casos já sendo reportados. Estima-se que, no futuro, casos autóctones sejam registrados nos EUA, muito por conta das mudanças climáticas favorecendo a proliferação dos vetores dessa doença.

Consequências da doença

O elevado número de casos de chikungunya se traduz em um problema de saúde pública que causa grande fardo econômico, por causa dos gastos diretos e indiretos. Os indivíduos infectados podem passar meses com sequelas, como dores crônicas nas articulações, necessitando acompanhamento médico prolongado e tratamento com fisioterapia e medicações. O afastamento das atividades laborais muitas vezes leva o paciente a perder sua renda e, por consequência, não conseguir dar continuidade ao tratamento.

As estimativas da letalidade por chikungunya variam ao longo do Américas, com taxas entre 0,5 e 1,3 mortes a cada 1.000 casos. Fatores que podem afetar o risco de morte podem diferir entre países, incluindo a capacidade do sistema de saúde e vigilância, a presença de comorbidades (por exemplo, hipertensão, diabetes ou obesidade) e dados demográficos da população, com neonatos e pessoas com mais de 65 anos de idade apresentando maior risco em comparação para outras idades. Além disso, estabelecer um sistema de vigilância preciso para mortes por chikungunya nas Américas é um desafio, em parte devido às limitações de recursos e a ocorrência simultânea de outras doenças arbovirais fatais com manifestações clínicas semelhantes, particularmente dengue.

Um estudo recente, publicado em fevereiro na revista The Lancet Infectious Diseases, investigou o risco de morte de pessoas infectadas por chikungunya durante 2 anos após os primeiros sintomas da doença, utilizando uma grande amostra da população brasileira entre 2015 e 2018. Essa análise mostrou a persistência do risco de óbito após a chikungunya em até 3 meses do início dos sintomas, indo além da fase aguda da doença, que são os primeiros 14 dias, mais uma preocupação a ser levado em conta quando trata-se do pós-infecção pelo vírus.

Desafios

A vigilância da chikungunya e de outros vírus transmitidos por mosquitos nas Américas tem sido um desafio por vários fatores, incluindo a dependência de um sistema passivo de registro, insuficiência de infraestrutura laboratorial, disponibilidade limitada de profissionais de laboratório qualificados, bem como de entomologistas (profissional que estuda o mosquito), e acesso desigual ao diagnóstico.

Outro ponto delicado é a circulação de outros arbovírus que causam manifestações clínicas semelhantes, como os vírus da Zika e dengue, tornando o diagnóstico clínico bastante complexo. Isso mostra a necessidade urgente de desenvolvimento e incorporação de testes point-of-care (PoCT), que podem ser usados nas unidades de saúde, alinhada com a colaboração entre agências de saúde locais, nacionais e internacionais e instituições de pesquisa, com um objetivo mais amplo: apoiar iniciativas de fortalecimento de capacidades, reduzir as desigualdades em infraestrutura de diagnóstico e laboratório e fortalecer e expandir os sistemas universais de saúde.

Em novembro de 2023, foi licenciada a primeira vacina contra chikungunya pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA, mas ainda não há previsão de quando a vacina será aprovada para uso no Brasi. Mesmo depois de licenciada no Brasil, pode levar tempo até a sua incorporação no programa de imunização e até o alcance de grandes coberturas vacinais. Antivirais específicos continuam indisponíveis para prevenir e tratar a chikungunya.

Diante destes desafios, os autores do artigo propuseram algumas ações a fim de mitigar e eliminar a chikungunya nas Américas, entre elas:

• Melhorar a vigilância molecular e o diagnóstico de chikungunya para rastrear transmissão endêmica, detectar precocemente surtos e melhorar os desfechos clínicos dos pacientes de forma eficaz.

• Aproveitar dados genômicos e sorológicos para identificar populações suscetíveis, antecipando futuros surtos e monitorar a evolução e transmissão do vírus chikungunya.

• Identificar os fatores ambientais e socioeconômicos que determinam a transmissão espaço-temporal do vírus durante e entre surtos para refinar estratégias de mitigação.

• Implementar tecnologias tradicionais e de ponta no controle de vetores para reduzir a população de vetores competentes e a incidência da doença.

• Implementar programas de imunização em populações vulneráveis para conter e potencialmente eliminar a transmissão de chikungunya em todas as Américas.

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