Seminário sobre febre amarela é realizado na Fiocruz Bahia

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A febre amarela, com o aumento da ocorrência de maiores casos silvestre nos últimos anos, ressurge como importante ameaça à saúde pública no Brasil. Com o objetivo de pensar o cenário epidemiológico da doença e reforçar a importância da cooperação entre Fiocruz, Governo do Estado e Ministério da Saúde, foi realizado o seminário “Febre Amarela: Vigilância de Epizootia”, no dia 31 de janeiro, na Fiocruz Bahia.

Nísia Trindade Lima, presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), participou da ocasião e explicou que o evento faz parte de uma linha de seminários que trabalham as questões de maior impacto em cada estado em que há uma unidade da Fiocruz, ressaltando a importância da promoção de diálogo e de construção de agendas de trabalho. “Ser uma instituição nacional no país com a dimensão do Brasil, com suas diferenças e desigualdades regionais, implica em estar mais próximo do nível estadual e local. A própria construção do Sistema Único de Saúde já tem esse princípio”, declarou.

A presidente também falou sobre a agenda de pesquisa de vigilância da Fiocruz junto à Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde com relação ao impacto ambiental do desastre de Brumadinho, depois de estudos apontarem para uma possível relação entre o surto de febre amarela em Minas Gerais e o rompimento da barragem em Mariana, no estado.

Dentre outros pontos, Nísia mencionou, no contexto dos 120 anos da Fiocruz, que será comemorado em 2020, o processo no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para o que o castelo da Fiocruz seja Patrimônio da Humanidade. Além disso, a presidente ressaltou a participação da Fiocruz no plano global de ação para acelerar os objetivos do desenvolvimento sustentável da Agenda 2030, liderada pela Organização Mundial de Saúde, na qual ela está responsável pelo acelerador número 5 – no campo da pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Na abertura do evento, a diretora da Fiocruz Bahia, Marilda de Souza Gonçalves, destacou a importância do seminário enfatizando a notificação recente de um caso de febre amarela humana no Paraná. “Estamos vivenciando um momento importante para a saúde pública não só com a reemergência da febre amarela, mas com a presença de outras arboviroses e outras doenças negligenciadas, além das questões ambientais, como a tragédia com rompimento da barragem de Brumadinho”, afirmou. 

A primeira mesa de discussão foi mediada por Rivaldo Venâncio da Cunha, da Coordenação de Vigilância em Saúde da Fiocruz, que iniciou salientando a importância da discussão que tem como um dos objetivos contribuir com a aproximação dos gestores da Saúde. “A Fundação, enquanto instituição pública comprometida com o bem-estar da população e independentemente de quaisquer que sejam as opções político-partidárias, tem dado essa contribuição”, disse.

A diretora de Vigilância Epidemiológica da Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Divep/ SESAB), Jeane Magnavita, que também representou o secretário de Saúde da Bahia, Fábio Villas Boas, mediou o segundo momento do evento e disse que a Bahia tem tido experiências exitosas com a questão das arboviroses. “A febre amarela tem consumido nosso tempo e roubada nossa atenção, desde 2017. A vigilância epidemiológica associada com ações intersetoriais e a ampliação da cobertura vacinal têm sido muito importantes”, destacou.

História e Vigilância

No caso da febre amarela, a vigilância de epizootias tem um papel central que é identificar e acompanhar a circulação do vírus, através do diagnóstico da doença em primatas não humanos. “A gente se debruça na tentativa de identificar o vírus a partir dos primatas como uma forma de antecipar a circulação da doença”, explicou Daniel Garkauskas Ramos, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, durante apresentação.

A maioria dos casos de febre amarela em humanos é do sexo masculino e está associado com trabalho ou residência em área rural. “No Brasil, ainda não tem nenhuma evidência de transmissão urbana do vírus da febre amarela pelo Aedes aegypti, mas talvez a gente nunca tem estado tão perto disso como agora, nos últimos 100 anos”, disse.

De acordo com Garkauskas, a doença foi introduzida nas Américas no fim do século 17, com os escravos trazidos da África. “O vírus, vindo da África, se adapta aos vetores silvestres e macacos de outros gêneros e se adaptam a um ciclo totalmente diferente. É muito claro que a febre amarela no Brasil tem características epidemiológica absolutamente diferentes do que a gente vê na África”, declarou o representante do Ministério da Saúde.

Os últimos casos de febre amarela urbana aconteceram no Acre, em 1942, e depois disso não existe a evidência de transmissão urbana do vírus da febre amarela no Brasil. Em 1958, o país recebe um certificado de erradicação do Aedes aegypti, mas, na década de 60, o Aedes aegypti retorna ao país e ainda não se sabe ao certo por que não se tem mais transmissão urbana no Brasil.

Garkauskas contou que, a reemergencia de febre amarela começa em 2014/2015 com alguns eventos no Tocantins e Goiás, em 2017 o vírus já estava no oeste de Minas Gerais e depois em São Paulo. “Os casos não chamaram muita atenção por causa da zika e chikungunya que, em 2015, roubaram toda atenção do sistema de vigilância e da imprensa pela gravidade do problema”, concluiu.  

Epizootia na Bahia

“No estado da Bahia, o objetivo da vigilância de febre amarela é evitar casos silvestres, já que não se tem registro de casos autóctones da doença nos últimos anos, e impedir a contaminação urbana”, afirmou Gabriel Muricy, da Diretoria de Vigilância Epidemiológica da SESAB. De acordo com Muricy, existe uma preocupação maior com o oeste do Estado, porque faz limite com outros estados com circulação do vírus. Recentemente, os casos suspeitos de epizootia nos municípios de Simões Filho, Feira de Santana, Paulo Afonso e em Salvador desencadearam uma ação de vigilância ativa em todo o estado.

“Em 2017, foram registradas 770 epizootias nos municípios baianos. O que chamou a atenção foi que, ao contrário do esperado, houve maior concentração de casos na região metropolitana e isso está, provavelmente, relacionado a qualidade do serviço por existência de centro de controle de zoonoses neste local, que traz uma maior capacidade de detecção”, afirmou.

Para Muricy, a vacinação teve importância no bloqueio da circulação do vírus no estado. “Em 2018, 178 municípios passaram a ter recomendação de vacina e, em 2019, todos os municípios da Bahia farão parte da área de recomendação. Em 2000, eram apenas 45 municípios”, declarou. “Há ainda a necessidade de intensificar a vigilância em portos e aeroportos, em municípios de interesse turístico e notificação imediata de suspeita”, acrescentou.

Investigação e fluxo

A veterinária Luisa Helena Monteiro de Miranda, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/ Fiocruz), apresentou os aspectos histopatológicos da febre amarela. Desde 2017, o laboratório onde trabalha começou a receber amostras de primatas para diagnóstico da doença, dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte. Nesse mesmo ano, só da Bahia foram enviadas mais de 4.000 amostras de primatas para análise.

Sistematicamente, o laboratório recebe cérebro, baço, coração, fígado, rins e pulmão. A veterinária explicou que os achados morfológicos consistentes são encontrados basicamente no fígado, que é a necrose de hepatócitos, degeneração hemofílica, hemorragia e inflamação. Os gêneros de macacos mais recebidos são os alouatta e callithrix (mico). O primeiro apresenta as lesões mais graves.

“Acho importante comentar que mesmo que o animal esteja em estado avançado de autólise é sempre importante fazer a coleta, porque a detecção de antígeno é possível mesmo em estágios mais avançados. Do ponto de vista epidemiológico, se a gente conseguir responder a uma parte dos casos já é importante para vigilância. Outro problema são as amostras congeladas e eu não sei até que ponto isso pode ser evitado, mas a gente perde avaliação morfológica e não tem como definir o caso”, alerta.

A diretora do Laboratório Central do Estado da Bahia (LACEN), Zuinara Pereira Gusmão Maia, disse que, como o surto começou no sudeste, a Bahia teve tempo para se preparar para a possibilidade de circulação do vírus, através de uma série de ações conjuntas de diversas instituições das esferas federais, estaduais e municipais. “A gente não tem como retirar o vírus do meio ambiente, mas tem meios para evitar surtos a partir do momento em que tem uma vigilância e uma comunicação atuantes”, defendeu. Zuinara afirmou que, na Bahia, as coletas não são realizadas em campo, os primatas vão inteiros para o LACEN.

Em 2017, foram analisadas pelo laboratório amostras de 117 municípios, destes 27 apresentaram positividade para febre amarela. Em 2018, o número de epizootias diminuiu. Dos 88 municípios que enviaram primatas para o LACEN, não houve amostras positivas. “A gente precisava identificar onde tinha epizootia. Hoje, a gente sabe que o vírus não deixou de existir, mas está contido no meio rural. Como o número de casos diminuiu, partimos para a fase de monitorar os vetores, com a capacidade de dar resposta maior”, explicou a diretora.

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