Experiência brasileira de integração de grandes bases de dados para pesquisa em saúde é apresentada na Índia

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Qual é o impacto de políticas públicas na saúde das populações em um país com grande desigualdade econômica e economia emergente? É, principalmente, em busca dessa resposta que os pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimento para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) estão se debruçando sobre os dados vinculados de mais da metade da população brasileira. A experiência acumulada na construção desse conhecimento, por meio da “Coorte de 100 Milhões de Brasileiros”, poderá ajudar na pesquisa em saúde de outro gigante emergente: a Índia. 

Nesta semana, entre 12 e 16 de março, a pesquisadora e vice-coordenadora do Cidacs, Maria Yury Ichihara, compartilha a experiência no desenvolvimento da Coorte para cientistas e formuladores de políticas públicas em duas cidades indianas: Nova Délhi e Bangalore. O principal objetivo das reuniões, organizadas pela Universidade de Glasgow (Reino Unido) e Governo do Estado de Kanarkata (Índia), é o de avaliar experiências na integração de dados nacionais, na qual a coorte de 100 milhões constitui-se em experiência inédita. Ichihara também coordena um grupo de trabalho para desenvolver um índice de privação a nível de pequenas áreas (setores censitários) para todo o Brasil, estudo que também será apresentado, uma vez que os pesquisadores e autoridades indianos estão interessados na construção de um índice similar naquele país.

O evento faz parte do Projeto “NIHR Global Health Research Group on Social Policy and Health Inequalities” (Grupo de Pesquisa de Saúde Global em Políticas Sociais e Iniquidades em Saúde), conduzido no Cidacs em cooperação com a Universidade de Glasgow. Além das duas instituições e dos gestores governamentais do Governo Central da Índia e do Estado de Karnakata, estarão presentes nas reuniões pesquisadores das universidades de Harvard (EUA); London School of Hygyene and Tropical Medicine (Reino Unido); e das instituições indianas Jawaharlal Nehru University (New Delhi) e Public Health Foundation of India (Odisha).

O coordenador do Cidacs, Mauricio Barreto, avalia que essas reuniões são importantes para compartilhar “o trabalho que vem sendo realizado na avaliação de desigualdades em saúde, ampliar a cooperação internacional na produção de conhecimentos científicos para uso na política de saúde, estreitar a cooperação do Cidacs/IGM com a Universidade de Glasgow e estabelecer contatos com acadêmicos e gestores da Índia”.

Privação

O principal objetivo do Índice de Privação em desenvolvimento no Cidacs é construir um “mapa da pobreza crônica”, possibilitando a avaliação de quais variáveis traduzem a condição de vida dos indivíduos. O índice se diferencia dos outros indicadores de pobreza por olhar o nível mais local – e não agregado por municípios como já se fez anteriormente. Assim, o índice permitirá compreender e mensurar quais são os fatores que refletem na condição de vida dos indivíduos diante das desigualdades estruturais das regiões em que habitam.

O desenvolvimento do índice considera uma série de variáveis. No estágio atual, a pesquisa está em processo de validar a possibilidade de análise de 16 indicadores de nível local em seis dimensões: renda; condições de habitação; etnicidade; escolaridade; infraestrutura urbana; e saneamento. “A pobreza crônica é multidimensional. Tem que ter uma combinação dessas privações”, explica Ichihara. De acordo com ela, a possibilidade que este índice trará para avaliação dos determinantes sociais da saúde vai gerar “um custo-benefício fantástico” para a aplicação de políticas públicas, uma vez que focaliza as intervenções.

A pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e colaboradora do projeto, Deborah Malta, que coordenou o “Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022”, afirma que o índice deve não só auxiliar a pesquisa em saúde, mas se tornará “uma ferramenta bastante útil” para os gestores e trabalhadores em saúde.

Idealizador da Coorte de 100 milhões, o pesquisador Mauricio Barreto também acredita nos benefícios da pesquisa e elenca as potencialidades do índice: “Monitorar as desigualdades na saúde, entender as causas das desigualdades e facilitar a avaliação de potenciais impactos dos programas sociais sobre as desigualdades em saúde a fim de alcançar a equidade em saúde”.

Programação

Embora a Índia tenha vários conjuntos de dados que permitam o estudo da privação a nível subnacional e subestadual, eles variam consideravelmente em cobertura e qualidade. Assim, esses dados não são amplamente utilizados para entender as diferenças regionais no país asiático, vitais para as intervenções de políticas públicas. Os pesquisadores acreditam que uma possível maneira de superar tais deficiências nos dados é a vinculação dos diferentes sistemas de dados, tal qual realizado no Cidacs. No entanto, alcançar essa integração é tecnicamente desafiador.

Diante deste quadro, o workshop “Data Linkages and Deriving Deprivation Measures in India: An exploration”, realizado nesta segunda-feira, 12, pretende trabalhar com os formuladores de políticas na Índia para avaliar a viabilidade da vinculação de dados no contexto da Índia e se essa metodologia pode atender a necessidades do país. A programação da semana ainda inclui discussões com formuladores de políticas em Bangalore, Karnataka, e uma proposta de um projeto em parceria entre os pesquisadores participantes e os gestores indianos.

Pesquisa

A Coorte de 100 Milhões de Brasileiros é uma plataforma de estudos e pesquisas para avaliação do impacto das políticas públicas nos desfechos em saúde. A metodologia adotada pela Coorte, a vinculação de dados individuais oriundos de diferentes bases governamentais, tem o potencial de trazer respostas inéditas no campo da saúde e é a primeira vez que é realizada em um país emergente com um volume de dados tão grande – uma das bases de dados da Coorte produzidas no Cidacs, por exemplo, cruza dados de 114 milhões de indivíduos registrados no Cadastro único (CadÚnico) com os 44 milhões de nascimentos registrados durante 14 anos no Sistema Nacional de Nascimentos (Sinasc).

Já o Índice de Privação está sendo desenvolvido a partir dos dados censitários (censo 2010), mas, posteriormente, deverá ser utilizado nas bases produzidas da Coorte para compreender o impacto da pobreza crônica nos desfechos de saúde, como a mortalidade.

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