É #FAKE que novo coronavírus não causa pneumonia e que tratamento pode ser feito em casa mesmo em casos graves

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Uma mensagem que tem viralizado nas redes sociais diz que autópsias em corpos de vítimas da Covid-19 em Bergamo, na Itália, revelaram que a doença não mata por provocar pneumonia. O texto diz ainda que o novo coronavírus, mesmo em casos graves, pode ser tratado em casa, com antibióticos, antivirais, anti-inflamatórios e anticoagulantes. É #FAKE.

A mensagem falsa afirma que o que se sabia sobre a doença provocada pelo novo vírus até o momento estava errado, e que os exames cadavéricos fizeram médicos italianos alterarem os protocolos de tratamento dos doentes. Afirma ainda que não são necessários ventiladores para salvar os doentes nem sequer monitoramento em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Nada disso é verdade.

Especialistas ouvidos pela CBN dizem que a doença é respiratória, sim, e pode causar pneumonia, se agravada. Segundo eles, complicações podem gerar, de fato, tromboses, como afirma a mensagem. Só que isso não é uma descoberta recente, tanto que já havia sido descrita. Não houve qualquer mudança de rumos no tratamento a que os pacientes vêm sendo submetidos. Casos críticos não podem ser manejados em casa, apenas os leves, como vem sendo divulgado pelas autoridades de saúde.

Segundo os médicos entrevistados, informações verdadeiras foram manipuladas para ganhar um ar de novidade e acabaram misturadas com outras totalmente falsas ou sem qualquer embasamento científico.

O infectologista Leonardo Weissman, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, explica: “Não se pode afirmar que a Covid-19 não causa pneumonia. Coagulação intravascular disseminada e tromboembolismo venoso foram descritos como possíveis complicações em formas graves da doença. Da mesma forma, oclusão e formação de microtrombos em pequenos vasos pulmonares de pacientes críticos foram relatadas após exames necroscópicos. Por este motivo, um grupo de especialistas chineses propôs o tratamento com anticoagulantes, mas com eficácia ainda não validada”.

A ocorrência de trombose em casos graves de Covid-19 não é novidade para os médicos que vêm acompanhando as descrições da doença, diz também o infectologista Paulo Santos. E isso não significa que os protocolos tenham mudado. “De fato, nos pacientes mais graves da Covid-19, existe um componente associado a distúrbios sanguíneos e fenômenos trombóticos. É algo bem conhecido, e há vários protocolos de instituições sérias que já trazem orientações para o tratamento, que só pode ser feito com orientação médica e, na maioria das vezes, em ambiente hospitalar”, esclarece Santos, também consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.

“A mensagem usa um fato já cientificamente identificado e mistura com conceitos completamente equivocados e faz parecer que se trata de uma descoberta maravilhosa, e que vai mudar o curso do tratamento da doença”, diz o médico. “Algumas versões do texto fake falam no uso de aspirina para o tratamento, o que, além de totalmente inadequado, pode ser também perigoso. A aspirina tem potencial de causar alterações na coagulação sanguínea. A mensagem fake orienta uma superdose que pode trazer riscos para a saúde.”

O pneumologista Rodolfo Fred Behrsin, professor da Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, também lembra que já é notório que a Covid-19 é uma doença que começa pelo aparelho respiratório, e que, em casos mais graves, pode comprometer outros órgãos. Ele explica que nada foi modificado recentemente no atendimento dos pacientes, ao contrário do que afirma a mensagem.

“Já se sabe que a Covid-19 compromete inúmeros órgãos, sendo o primeiro, e principal, os pulmões. Desenvolve-se uma pneumonia viral e, às vezes, uma pneumonia bacteriana secundária. Por ser multissistêmica, nos casos mais graves, ela avança para o coração e os rins. A formação de trombose vascular não é novidade para quem acompanha a doença, e não muda a abordagem até que algum medicamento novo venha a demonstrar eficácia”, esclarece.

O infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, faz a mesma avaliação. “A Covid-19 pode levar à pneumonia, insuficiência respiratória, inflamação do pulmão. E muitos vão a óbito também por um fenômeno inflamatório generalizado, que é a coagulação intravascular disseminada. Isso não é nenhuma descoberta, já é um achado clássico de evolução da doença. É antigo e frequente”, explica.

Os médicos ainda não sabem qual é o percentual de pacientes que evoluem dessa forma. São casos críticos, nos quais é implementado um protocolo anticoagulação. “Os pacientes que evoluem mal não são só com pneumonia. A falta de ar que leva as pessoas ao hospital e à entubação, à UTI, muitas vezes tem como desfecho a falência de vários órgãos. Esse quadro viral pulmonar desencadeia essa chamada ‘tempestade inflamatória’ do corpo todo: o rim para, o sangue coagula, há insuficiência hepática, problema cerebral”, afirma Renato Kfouri.

A pneumologista Patricia Canto Ribeiro complementa: “A Covid-19 é uma doença sistêmica e complexa, e não tem medicamento que a cure. Uma das coisas que foram observadas é o processo de alteração da coagulação, o que já é sabido pelos médicos e tratado nos casos graves. Por ser sistêmica, pode afetar vários órgãos, coração, rins, e até mesmo alterar a coagulação, sendo necessário o tratamentos de várias condições de gravidade ao mesmo tempo. Mas há realmente uma pneumonia viral nos casos graves”, diz a médica, da Escola Nacional de Saúde Pública.

Um outro trecho da mensagem falsa que está sendo compartilhada menciona o caso de uma família mexicana nos Estados Unidos que se curou com um remédio caseiro: três aspirinas de 500 mg dissolvidas em suco de limão fervido com mel.

Os médicos entrevistados pela CBN condenam a informação. “Esse ‘remédio caseiro’ pode até induzir sangramento. É antiagregante plaquetário, além de não tratar a doença”, alerta Rodolfo Fred Behrsin.

“Isso tudo é um monte de absurdos. O que salva a vida de pacientes em hipoxemia (baixa oxigenação) é a incubação com ventilação mecânica. Pacientes que se curam em casa são 80% dos casos e não precisam de nenhuma medicação. Para quem agrava, permanecer em casa tomando remédios caseiros, será uma sentença de morte. É totalmente irresponsável divulgar notícias sem fundamentação científica”, afirma Patricia.

Sobre o tratamento da Covid-19, o infectologista Leonardo Weissmann relembra: “Nada mudou: não há qualquer medicamento específico para tratamento até o momento. Indica-se repouso e ingestão de líquidos, além de medidas para aliviar os sintomas, como analgésicos e antitérmicos. Nos casos de maior gravidade, com pneumonia e insuficiência respiratória, suplemento de oxigênio e mesmo ventilação mecânica podem ser necessários”.

Fonte: G1

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