É #FAKE que máscaras de tecido sejam ineficazes contra o coronavírus

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Imagem de pasja1000 por Pixabay
Circula nas redes sociais uma foto de dois cientistas num laboratório, lidando com vírus, com roupas que cobrem todo o corpo. Eles também usam uma proteção facial reforçada. A legenda diz, em tom irônico, que o resto da população usa apenas máscara de pano para se resguardar do novo coronavírus, e que essa barreira é inócua. É #FAKE.

A foto mostra as duas pessoas com roupas semelhantes a trajes de astronauta. A imagem circula com a seguinte mensagem: “É isto que virologistas vestem para se proteger de um vírus. Mas não se preocupe, sua máscara de pano provavelmente te protegerá também”.

O virologista Rômulo Neris, doutorando pela UFRJ, explica que o traje fotografado é usado em ambientes de alto risco biológico, e não cabe em situações do dia a dia em que a população possa vir a entrar em contato com o coronavírus, no contato interpessoal.

“Essa roupa é um equipamento de proteção pessoal chamado de Traje de Proteção de Pressão Positiva. O uso é necessário para se trabalhar com segurança em ambientes onde o nível de biossegurança é 4, numa escala de risco biológico que vai de 1 a 4. Quanto maior o nível, maiores são as medidas de proteção necessárias”, esclarece, em entrevista à CBN.

“O Sars-coV-2 requer um nível de biossegurança 2 no manuseio de amostras para testes clínicos e diagnósticos, e nível 3 para contextos de pesquisa e ambientes onde sua manipulação gere uma alta quantidade de aerossóis”, continua Neris. “São exemplos de agentes que requerem nível 4 de biossegurança: bacilo antrax, vírus ebola, vírus da varíola, entre vários outros.”

Neris reforça que a quantidade de vírus que os cientistas manipulam em ambientes como o retratado na foto não deve ser equiparada àquela que os indivíduos infectados podem expelir no contato corriqueiro, nas ruas, nos supermercados e em outros estabelecimentos, e que pode resultar na contaminação de outras pessoas.

“Ainda não se tem certeza da quantidade de vírus liberada na tosse, espirro ou fala. A gente sabe que é uma quantidade grande o suficiente pra infectar outro indivíduo, mas é provavelmente menor do que a quantidade produzida por culturas de células infectadas em laboratório, por exemplo”, afirma o virologista.

“Em ambientes que exigem nível de biossegurança ocorre a manipulação não só de grandes quantidades de vírus, mas também múltiplas vezes, seja analisando amostras ou para fazer experimentos. Nesses casos, é fundamental medidas de proteção que sejam eficientes. Além da manipulação do vírus, pode ocorrer também a manipulação de substâncias químicas tóxicas e o ambiente de análise requer fluxo de ar constante. Pessoas que permanecem nesses locais precisam de proteção para o corpo todo, além do uso de máscara”, continua.

Ele reitera a importância da máscara pela população como um todo, a de tecido (reutilizável) ou a cirúrgica (descartável), como medida coletiva para coibir a disseminação do coronavírus. “O uso de máscara reduz significativamente a probabilidade de se infectar, é uma medida muito eficiente. Estudos recentes sugerem que usar máscaras não só reduz o número de casos de Covid-19 na população, mas também a letalidade associada à infecção. É importante lembrar que duas camadas de tecido são suficientes pra bloquear mais de 50% das gotículas dispersas por um espirro.”

O infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, reforça: já está comprovada a eficácia das máscaras. “Um estudo publicado recentemente no periódico ‘The Lancet’, um dos mais respeitados do mundo, demonstrou um risco de transmissão de 17% entre indivíduos sem máscara facial e expostos a indivíduos infectados pelo novo coronavírus. Os que estavam com máscara tinham uma chance de 3% de se infectar”, aponta.

Especificamente sobre as de pano, Weissmann ressalta que a filtragem é, sim, eficaz. “As máscaras de pano servem como barreira à transmissão do vírus, retendo as gotículas liberadas pela fala, tosse e espirro. Se todos utilizarem as máscaras de pano nos ambientes públicos, todos estarão protegidos. Quando o uso é coletivo, existe redução na propagação do vírus por pessoas com a Covid-19, mesmo que as pessoas não vejam isso. Lembrando que é preciso que ela cubra completamente o nariz e a boca, sem que se deixem vãos dos lados.”

O infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, aponta a importância do uso da barreira física no nariz e na boca como uma das grandes lições trazidas pela pandemia.

“Talvez seja uma das principais lições. No início, se acreditava que só profissionais da saúde precisavam, depois se achou que as máscaras de pano não serviam… Mas constatamos que não era assim”, diz Kfouri. “Hoje sabemos que a barreira criada pela máscara protege o indivíduo que está usando, e também os demais, numa fase de transmissão importante, que acontece quando se está assintomático ou pré-sintomático. Boa parte da cadeia de transmissão acontece por essas pessoas, então o uso diminui muito a dispersão do vírus.”

O médico ressalta que a máscara, para ser eficaz, deve ser usada corretamente: cobrindo nariz e boca, sem que a pessoa fique tocando no próprio rosto, e por um período curto (entre 2 e 3 horas). Ele destaca ainda o caráter individual do item de proteção.

A médica sanitarista Ligia Bahia, especialista em saúde pública e professora da UFRJ, lembra que já se sabe que o coronavírus pode ficar suspenso no ar, o que reforça a necessidade de se fazer a utilização da máscara tapando nariz e boca.

“Usar a máscara de tecido, essa de algodão, com mais de uma camada, é muito importante, tanto quanto a máscara cirúrgica. A Covid-19 se transmite pelas partículas expelidas por nós, e já sabemos que elas ficam no ar. Antes se supunha que caíssem imediatamente no solo, então seria mais difícil que elas contaminassem outras pessoas, mas isso mudou. A máscara diminui a carga lançada no ar se a pessoa tossir ou espirrar”, explica Ligia.

Ela ratifica que mesmo quem já foi infectado precisa seguir com a proteção: “Não se sabe a duração da imunidade. O uso da máscara tem que ser uma medida universal para o cidadão comum, que anda nas ruas, que tem que fazer compras ou ir a um serviço de saúde. Basta a máscara de tecido, que se lava em casa, não precisa ser a do tipo N95 (usada por profissionais de saúde).”

Ligia reitera que não faz sentido imaginar que pessoas comuns necessitam de trajes de proteção que cubram o corpo todo para sair às ruas. “Essas ‘roupas de astronauta’, que mantêm as pessoas quase dentro de cápsulas espaciais, são para uso exclusivo em laboratórios que lidam com patógenos altamente perigosos”, elucida. Ela reitera que, se a pessoa for ficar fora de casa muito tempo, tem que levar máscaras sobressalentes, para trocar após 3 horas de uso.

A médica sublinha que é natural que muita gente considere a sensação de cobrir o nariz e a boca desagradável, uma vez que se trata de um costume totalmente novo na sociedade brasileira. Mas o uso é algo que tem que ser naturalizado – até por ser algo obrigatório, determinado por estados e prefeituras.

“Tem um incômodo, porque é algo com o qual a gente ainda tem que se habituar. Mas é muito melhor do que ficar doente, ter que ir para hospital e ter complicações em decorrência da Covid-19”, ressalta.

A equipe do Fato ou fake já desmentiu diversas informações falsas a respeito das máscaras: de que fazem mal à saúde, causam dor de garganta, levam a quadros de hiperventilação e tornam o sangue mais ácido, por exemplo. Nada disso procede.

Fonte: G1

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