Austeridade aprofunda desigualdade em mortes violentas, diz estudo

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Um estudo inédito conduzido por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) detectou um aumento nas taxas de suicídio e homicídio após o Brasil ter sido afetado pela crise econômica e adotado medidas de austeridade, em 2014.

O impacto, porém, não foi uniforme em todo o território: municípios mais pobres foram mais afetados do que os ricos – que até tiveram uma melhora em alguns dos índices. No estudo, que analisou dados de 2010 a 2017, as taxas de morte por acidentes de trânsito reduziram significativamente, especialmente nos municípios com melhores índices de desenvolvimento humano. O estudo foi publicado na edição de dezembro do periódico Ciência e Saúde Coletiva.

Análise

De modo geral, o estudo indicou que as taxas de suicídio aumentaram em 10% entre 2010 e 2014 e em 11% entre 2014 e 2017. Contudo, quando analisado por região, os maiores aumentos no mesmo período foram encontrados no Norte, chegando a 22%, Sul (18%) e Nordeste (17%).  Em relação aos homicídios, após as medidas de austeridade, a taxa chegou a subir 27% no Norte e 13% no Nordeste.  Já o percentual de mortes por acidente de trânsito pulou de uma redução de 0,7% entre 2010 e 2014 para – 22% entre 2014 e 2017.

Para conduzir o estudo, os pesquisadores analisaram dados públicos de mortalidade e do índice de desenvolvimento humano (IDH) municipal entre 2010 e 2017, agregando os dados por regiões e por cinco blocos de municípios (agrupados por quintis de IDH). Foi desse modo que conseguiram observar a diferença das taxas entre o bloco de municípios mais ricos e o dos mais pobres e detectaram uma tendência clara: quanto mais elevado o IDH municipal, maior a redução entre as mortes por acidentes de trânsito e menor o aumento entre as taxas de homicídio e suicídio, especialmente após 2014 – o mesmo fenômeno foi encontrado quando aplicado às cinco regiões brasileiras.

Causas

A saúde de um indivíduo está relacionada a condições sociais, econômicas e ambientais, tais como saneamento básico, moradia, trabalho, educação e renda. Assim, é esperado que políticas de austeridade econômica impactem em desfechos relacionados à saúde. “Recessão econômica gera redução de consumo e acesso a bens e a austeridade acelera esse processo. Crise econômica e austeridade aumentam o estresse relacionado a dificuldades socioeconômicas, o que pode levar a disfunção familiar, abuso de álcool e desesperança”, explicam os autores.

No Brasil a crise econômica causou desemprego crescente, elevando o índice de pobreza (de 7,4% a 8,7%) e extrema pobreza (2,8% a 3,4%) em apenas um ano (2014-2015).  No estudo, os pesquisadores explicam que a mortalidade por causas externas é sensível a mudanças socioeconômicas, especialmente quando políticas de austeridade são aplicadas “justamente quando a população mais precisa de proteção social”.

A redução de mortes por acidentes de trânsito em tempos de austeridade, por exemplo, é um fenômeno mais bem explorado nas pesquisas acadêmicas mundo afora. “Crise econômica, menos carro e menos acidente. É uma associação mais direta”, explica a autora principal do estudo,  a pós-doutoranda do Cidacs Daiane Machado.

A pesquisadora afirma que esse raciocínio é mais complexo em relação a outros desfechos analisados, como o suicídio.  “É um fenômeno multicausal. Nunca se pode dizer que apenas um único fator causou a morte daquele sujeito, mas sempre uma combinação de fatores. Então para demonstrar um impacto tão grande, a nível populacional, é necessário um certo tempo. Esse aumento percentual pode parecer pouco, mas considerando o curto tempo avaliado no estudo e e que fatores sociais normalmente levam um tempo para impactar  nas taxas, não é tão pequeno assim”.

Machado ainda conclui que enquanto outros fatores de risco para o suicídio são mais complexos para se intervir, medidas de austeridade estão nas mãos dos nossos governantes e podem influenciar os motivos pelos quais morremos.

Além dela, o estudo tem a coautoria dos pós-doutorandos Júlia Pescarini e Luís Fernando Araújo e do coordenador do Cidacs Mauricio Barreto.

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