Fiocruz Bahia inicia estudo para tratamento da esquistossomose em crianças

Pesquisadores da Fiocruz Bahia iniciaram um ensaio clínico com o medicamento arpraziquantel para tratamento da esquistossomose em crianças com idade entre três meses e seis anos. O objetivo é avaliar a eficácia, segurança e possíveis eventos adversos nesse público. A primeira dose foi administrada em um paciente em janeiro de 2025, no município de Conde, na Bahia, área endêmica da doença.

A pesquisa será realizada ao longo de um ano, em seis municípios, três da Bahia e três de Sergipe, e pretende avaliar um grupo de 403 crianças, um que abrange 163 na faixa etária de três meses a três anos e outro de 240 com idade entre quatro e seis anos. Neste último, metade receberá arpraziquantel e outra metade praziquantel, medicamento já utilizado para tratamento de esquistossomose em adultos e crianças acima de quatro anos, para comparação.

Cada participante receberá o arpraziquantel, de dose única, e será acompanhado por três semanas. O comprimido é dissolvido em água e possui gosto agradável, característica que contribui para a ingestão pelas crianças, diferente do praziquantel que é um comprimido comum. Além disso, a nova formulação possui características para resistir aos desafios de calor e umidade dos países tropicais, onde a doença é mais prevalente. 

A esquistossomose, causada pelo parasito Schistosoma mansoni no Brasil, afeta o trato intestinal e outros órgãos, como fígado e baço. Em crianças, pode causar anemia e sequelas mais graves. A enfermidade é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma das 20 doenças mais negligenciadas e atinge, principalmente, populações vulnerabilizadas.

“Não há tratamento contra esquistossomose para crianças abaixo de quatro anos. Esse medicamento, que é produzido por Farmaguinhos/Fiocruz, vem para cobrir essa lacuna da assistência aos portadores da doença. Também pode trazer o benefício de auxiliar na adesão ao tratamento de crianças acima de quatro anos, já que é mais fácil de ser administrado e apresenta melhor palatabilidade”, comenta o pesquisador da Fiocruz Bahia e coordenador do estudo, Ricardo Riccio.

O projeto tem como vice-coordenadora a pesquisadora Isadora Siqueira, além da participação dos pesquisadores Mitermayer Galvão Reis e Luciano Kalabric, da Fiocruz Bahia, e é realizado em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Universidade Federal de Sergipe (UFS) e Universidade Federal do Ceará (UFC). A nova formulação foi desenvolvida por um consórcio que conta com a participação do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz), produtor do medicamento utilizado no estudo.

O diretor do Instituto conta sobre a importância do medicamento para a erradicação da esquistossomose. “O desenvolvimento da formulação pediátrica pelo Consórcio foi essencial para cobrir este público que era negligenciado. Foram anos de dedicação, com um trabalho conjunto entre instituições públicas e privadas, que resultaram neste medicamento inovador e essencial para o tratamento da doença em crianças. Acompanharmos agora este estudo com mais de 400 pacientes é gratificante. Esperamos, em breve, fornecer o arpraziquantel para países africanos e regiões endêmicas de todo o Brasil”, afirma Jorge Mendonça.

André Daher, coordenador da Plataforma de Pesquisa Clínica da Fiocruz, que patrocina e oferece suporte ao projeto, explica que a iniciativa é realizada dentro do Programa de Pesquisa Translacional em Esquistossomose da Fiocruz (Fio-Schisto), fazendo uma integração inédita com três projetos de diferentes unidades da Fundação, que envolvem diagnóstico, tratamento e indicadores em esquistossomose. “Se trata de um plano de desenvolvimento que envolve um consórcio internacional, um produtor e uma fábrica públicos, que vão gerar informações sobre esse tratamento e diagnóstico. Além disso, serão geradas amostras que ficarão armazenadas no biobanco da Fiocruz Bahia, que podem responder a perguntas futuras”, declara.

Daher também destaca o caráter inovador. “Desenvolver um produto pediátrico já é uma inovação, mas o arpraziquantel é a formulação pediátrica de um isômero, molécula que tem mais atividade do que o praziquantel, mas com menos gosto, um processo químico bastante refinado. É a produção de conhecimento sendo conduzida nos mais rigorosos padrões de qualidade”, pontua. 

A pesquisadora do projeto, Camilla Almeida, ressalta que o estudo clínico de fase três possui a peculiaridade de ser realizado em campo, o que traz oportunidades e desafios. “Como essa é a especialidade da nossa equipe, conseguimos estruturar um bom plano de monitoramento de segurança para os participantes. Esse estudo é de suma importância e vai somar aos esforços para a eliminação da esquistossomose nas nossas crianças”, conclui.

Desenvolvimento pediátrico – O medicamento foi fruto do projeto de desenvolvimento do Consórcio Praziquantel Pediátrico, do qual Merck Healthcare KGaA e Farmanguinhos fazem parte e tem o importante papel finalístico de serem o detentor do registro internacional e o primeiro local de fabricação do produto, respectivamente.

Em 2024, Farmanguinhos submeteu o medicamento para registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e aguarda a aprovação. A produção em Farmanguinhos/Fiocruz abastecerá o Sistema Único de Saúde (SUS) e regiões onde a doença é mais endêmica, especialmente no continente africano. Com reconhecimento internacional, o arpraziquantel recebeu parecer científico favorável da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e foi incluído na Lista de Medicamentos Pré-qualificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2023 e 2024, respectivamente.

Ao desenvolver, registrar e fornecer acesso ao medicamento voltado para o público pediátrico, o Consórcio contribui para a eliminação da esquistossomose como um problema de saúde pública no Brasil e no mundo.

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Pesquisa sugere desenvolvimento de antimalárico através da união da atovaquona com metais

Um estudo propõe o desenvolvimento de novos fármacos antimaláricos mais eficientes através da união do medicamento atovaquona (um medicamento já utilizado no tratamento da malária) com os metais prata, ouro e cobre. O trabalho foi realizado em colaboração com grupos de pesquisas do Brasil, Portugal e França, incluindo o grupo do pesquisador da Fiocruz Bahia, Diogo Moreira, e a estudante do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia em Medicina Investigativa (PGBSMI), Adrielle Sacramento. O artigo foi publicado no periódico Inorganic Chemistry.

A malária é uma doença infecciosa, aguda e potencialmente grave, causada pelo parasito do gênero Plasmodium, transmitido pela picada de mosquitos do gênero Anopheles infectados, mas também pode ser transmitido pelo compartilhamento de seringas, transfusão de sangue ou até mesmo da mãe para feto, na gravidez.

O estudo teve como objetivo verificar se há aumento da eficiência desses compostos frente ao Plasmodium falciparum, especialmente em cepas resistentes a outros tratamentos, além de evidenciar o mecanismo de ação base dos compostos.

A partir de ensaios padronizados como o de crescimento parasitário e citotoxicidade celular, os cientistas apontam que os complexos metálicos desenvolvidos apresentaram alta estabilidade, tanto no estado sólido quanto em solução, o que é crucial para garantir sua eficácia durante o tratamento. Também foi evidenciada sua capacidade de inibir o crescimento do Plasmodium falciparum de forma comparável à atovaquona, sem apresentar toxicidade significativa para células humanas.

A fim de compreender melhor acerca do possível mecanismo envolvido na ação desses compostos, foi realizado um ensaio de “inibição da β-hematina”. No curso normal da doença, durante a infecção, o parasito ataca os glóbulos vermelhos e consegue ingerir em pouco tempo boa parte da hemoglobina, composta pelas proteínas heme e globina, cuja função mais importante é fixar o oxigênio para ser transportado pelo sangue. No ambiente parasitário, a fração “heme” é tóxica ao parasito, mas o Plasmodium consegue convertê-la numa substância cristalina inofensiva, a hemozoína.

O ensaio da β-hematina revelou que os compostos são promissores, já que, além de preservar a eficácia da atovaquona, eles conseguiram inibir a formação de hemozoína, o “pigmento malárico”, deixando a “fração heme” livre, causando toxicidade ao parasito. Ao interromper esse processo de desintoxicação, os compostos metálicos aumentam a concentração de heme tóxico dentro do parasito, levando à sua morte.

Os pesquisadores concluíram que o estudo abre novas perspectivas para o tratamento da malária, especialmente em áreas onde a resistência aos medicamentos atuais é um problema crescente. A combinação de atovaquona com metais pode representar uma solução inovadora para combater a malária de forma mais eficaz e com menor risco de resistência.

Por Jamile Araújo, com supervisão de Júlia Lins

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